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A mostrar mensagens de 2014

vem fala-me de ti

vem     senta-te perto de mim fala-me tu dessa liberdade   que prende     mas que queremos desse desejo-felicidade   das sensações que um dia saboreemos vem     senta-te perto de mim fala-me tu dessa enganosa tranquilidade   que te inquieta com calor dessa mentira     dessa ansiedade   de novo sentires amor vem     fala-me tu da tua vida dessa vontade sentida dessa força-esperança da sede de ser criança vem     fala-me de ti nuno malela 10.XII.2014

esta noite (a escolha certa?)

esta noite vou ficar assim         parece a letra de uma cantiga como estou agora a ouvir o tic-tac dos teus relógios parados diria o senhor reverendo ben-u-ron que durmo apenas o suficiente duas ou três bastam-te  porque já não és nenhuma criança              caramba        um homem de grande sabedoria      sem dúvida vamos lá deixar de ser piegas o luar escapa pelas frinchas da persiana e pousa sobre ti que dormes a meu lado e      como princesa que és      suspiras profundamente a lola dorme com espasmos      espeta-me a pata na cara com toda a delicadeza que lhe é natural a minerva      asmática noturna      tosse     no puff e a belinha      consumida pelo sono     bufa-lhe como quem resmunga e eu eu sorrio  confiante de ter feito a escolha certa e ter voltado à normalidade nuno malela 28.XI.2014

pedro e inês - a espantosa força poética dos seus túmulos

pedro e inês – a espantosa força poética dos seus túmulos – oh alcobaça tu     só tu     tiveste o privilégio de receber os corpos e manter as almas desassossegadas dos protagonistas da mais bela e autêntica história de amor do sempre controverso romance que o povo chamou a si que desenterraram da memória que o tomou como património seu e o imortalizou oh alcobaça mais que os autores foi a própria trama que entrou na alma do povo-poeta oh alcobaça dentro das tuas frias e opulentas paredes de pedra pedro e inês repousam nos seus túmulos reais aguardando o seu juízo final eles sabem que não será para sempre eles sabem que um dia ecoarão     no céu as grandes trombetas do julgamento final então os mortos levantar-se-ão das campas e os anjos pressurosos      que já estendem os seus braços para     no momento oportuno     ajudá-los a soerguer-se dos seus leitos da morte cada um     erguendo-se da sepultura verá o seu amor que se endireitou à s

voltar a viana

voltar a viana   ressuscitou tantas recordações os passeios matinais os mata-bichos no jardim   ou na galeria as corridas dos cães as festas do pai os convívios da mãe e das tias diz-se que não devemos voltar   segunda vez ao lugar onde fomos felizes um dia mas eu voltei a esta casa que conserva   em cada pedra   em cada canto e recanto uma recordação que quero preservar estranha motivação que me fez voltar ao fim de vinte anos saber que tudo reviveria   ter a estranha certeza que te voltaria a encontrar   que te deixaria entrar de novo no meu abrigo o teu corpo está encostado ao meu na mesma cama de ferro de há vinte anos como se nunca tivessem existido   vinte anos de incertezas queixumes e distâncias seguras um livro estranho e a custo dizes que o tens que ler eu dada a tua indiferença pego no livrinho de poesias que escrevi   quando me fazias falta e agravo mais o meu penar e a minha agonia não sei porque fui ao cruzeiro não sei porque ao v

sei que não sou o que idealizastes

sei   que não sou o que idealizaste   que não demonstro qualquer interesse nos mesmos assuntos que tu que te desiludo com as minhas escolhas e opiniões mas acredita que em nada que eu faça procuro desagradar-te apenas acredito     vivamente     que não consigo ser o que não sou   e que por isso não vale a pena tentar sê-lo somos tão parecidos   que são as nossas diferenças que mais se destacam   e ganham valor e dimensão em nada te quero desiludir   em nada te quero afrontar és e serás sempre o meu PAI   e por isso o melhor PAI que poderia ter   – estas palavras foram escritas num dia   em que pensei mais em ti do que em mim nuno malela 14.VIII.2014

a festa

a festa chegou ao fim terminaram os gourmets as provas de vinhos os conhaques e charutos o bridge   as eloquências sobre coisa nenhuma os petits noms das senhoras   os títulos dos senhores todos saíram   levam o som da festa e deixam a sensação de abandono a festa que terminou dá lugar agora ao cansaço aos silêncios de abandono da madeira a estalar – a solidão ficam os copos e os pratos sujos em cima da mesa   os restos da comida     os nacos do pão as manchas de vinho nas toalhas alvas de linho   as cascas e os caroços colados à louça das mesas às cadeiras e ao chão as garrafas vazias por metade   (algumas praticamente sem nada) o lixo da festa   o lixo dos intelectuais da festa o lixo da festa que alguém amanhã vai limpar apenas me sobra paciência   para juntar as sobras que ficam da festa   apanhar as pevides     caroços e cascas e por tudo em sacos pretos de lixo empilhar os pratos      os talhares     os copos as flûtes de champagne pôr tudo na

Réquiem para Madalena

« Requiem aeternam dona ei, Domine, et lux perpetua luceat ei. Requiescat in pace. Amen .»           A noite termina quando no céu parece despontar a luz de um novo dia. Madalena caminha por aquela velha e   sombria quelha sob um céu ainda escuro, trazendo a solidão como companhia. Vestiu a melhor fantasia para a ocasião e traz na sua bolsa um batom: a sua maior fortuna.            No silêncio da rua deserta ressoa ainda o eco do tacão do seu já deselegante e cansado andar. Nos seus olhos gaiatos o brilho inocente que fá-la sentir-se uma Cinderella ou uma rainha; que dizem não haver lugar mais doce que o banco de um carro ou uma pensão; que não há maior fortuna que o seu desbotado carmim feito de cera e óleo. E ela acredita…           Já no quarto, esconde os seus trajes num armário e toda a sua fantasia. Lava as mãos com água da torneira e a cara com as lágrimas da fonte mais pura: rompe a máscara. Através do espelho, num primeiro momento que ocorre num ato involuntário e d
caminhei com vagar por entre o mar de gente que se estendia ao longo da praia como se procurasse alguma coisa ou alguém que sei não ter encontrado     talvez porque não quisesse encontrar ou não saber o que procurava caminhei com vagar por entre tantos olhares desconhecidos     tão seguros de si     tão enterrados em si     tão alheios a mim     que nem repararam que um ciclista me derrubou               tão enterrados em si     que não puderam ajudar               tão alheios a mim     que nem sabem que me ergui do chão e que     calmamente     como se aquele quadro nunca tivesse sido pintado     retomei a minha caminhada     tão vagarosamente quanto me foi possível     não por estar magoado     mas porque não tinha pressa     nem vontade     de chegar a casa caminhei com vagar perdido nos meus pensamentos     porque     afinal são eles que me mantêm vivo e me fazem caminhar em frente nuno campos monteiro 28.VII.2014
sozinho numa esplanada com vista para o mar perco-me em pensamentos     imagens     e recordações uma lágrima que     sorrateiramente     escapa e deambula no meu rosto traz-me ao agora               o café já esta frio e a colher continua a pintar a borda da chávena alguém     que se aproxima com um sorriso cúmplice     pergunta-me “precisa de alguma coisa               outro café     talvez” nuno campos monteiro 27.VII.2014

Piazza di San Pietro - Resposta

Pontifício Colégio Portugueses   Via Nicolò V, 3 00165 Roma Roma, 24 de fevereiro de 2024 Depois que as coisas acontecem, é quase irresistível, ainda que desnecessário, perguntar "o que teria sido a vida se se tem feito diferente?" Se soubesse o que o destino me reservava não sei se teria entrado no comboio, naquela cinzenta manhã de no vembro, e talvez tudo teria sido diferente, ou apenas adiaríamos o inevitável...   E tu, terias entrado naquele autocarro se soubesses que tudo terminaria assim? Provavelmente não: eu não entraria naquele comboio e tu não entrarias naquele autocarro... E hoje, dez anos passados, terias viajado até aqui, se soubesses que me virias? Também disso estou certo que não. Mas eu, mesmo sabendo que te encontraria aqui, não pensava duas. Na verdade, parece que foi a ambos Deus pôs à prova. Não te parece? Quem diria que nos viríamos a cruzar ao fim de dez anos, dentro de uma igreja? Irónico... Por ela seguimos caminhos diferentes, e é nela