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A mostrar mensagens de 2019

sonetos meu amor

meu amor na fonte de água de cristal até onde o vento traz      pela manhã as pétalas da rosa que vimos florir a pedra brilha ao sol      estilhaça ao vento e à chuva o tempo passa por ela em redor      o mundo fala            crava na pedra vitupérios   e mais alguns desditos e desdéns que importa que o mundo fale maldizendo-nos      se fala sem razão falar sem saber não chega a ser falar é somente dizer meu amor importa sim      aquele que chegou numa tarde de junho como a flor ao coração      pés descalços ritmo lento      como que a rir e a brincar com olhos iluminados e um sorriso estranho (o mais belo sorriso       na verdade) e cresce a cada dia      segue o seu rumo na pedra abraçando os nossos nomes naquela gravados enverga um belo vestido cor de carmim      bordado de palavras egrégias cedros       abetos e rosas de espuma e para nosso deleite voluptuoso      deita-nos no mais cândido leito de cambraia de li

E por vezes tenho medo

"Porque estás tão triste, ó alma?  E porque me agitas? (Salmo 42) "Acontece-me às vezes [...] cansaço tão terrível da vida que não há sequer hipótese de acto com que dominá-lo." (Bernardo Soares) "Um cansaço de existir, De ser, Só de ser, O ser triste brilhar ou sorrir..." (Fernando Pessoa) "E por vezes os braços que apertamos nunca mais são os mesmos    [...] E por vezes fingimos que lembramos [...] E por vezes sorrimos ou choramos E por vezes por vezes ah por vezes num segundo se evolam tantos anos" (David Mourão-Ferreira) Quem me conhece sabe do meu fascínio  pelas palavras de David Mourão-Ferreira. (Homem fantástico, Professor, Poeta maior!)  São vastos os poemas seus que me transcendem. Entre eles, o soneto "E por vezes". (Já o ouviram pela boca do seu criador? Magnífico. Ou a excelente interpretação de Paulo Condessa?) Todo o poema é uma reflexão de como  "num segundo se evolam tantos anos&

Até já, Gabriela!

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Do pouco tempo que passei no Theatro Circo, quando trabalhei com a Companhia de Teatro de Braga, recordo-lhe o sorriso e o olhar, oferendas diárias que a Gabriela a todos dirigia. Não posso dizer que fossemos amigos, as nossas tarefas, embora no mesmo edifício, não eram próximas e o tempo que por lá passei não mais permitiu. Mas cruzávamo-nos frequentemente: afinal todos pertencíamos ao Theatro Circo. Saudávamo-nos com respeito diariamente. Trocámos algumas palavras em momentos de pausa. Fazíamos graça por partilharmos o mesmo apelido: "Ainda vamos descobrir que somos primos." E sempre, sempre o olhar meigo. E sempre, sempre o sorriso encantador. E sempre, sempre uma boa palavra, um bom gesto! Fiquei chocado quando percebi que a 26.ª vítima mortal de violência doméstica noticiada nos meios de comunicação era a Gabriela. Fiquei perplexo, porque estas notícias são sempre de pessoas distantes, pessoas que não conhecemos.  De repente deixou de ser. Torn

Ensaio sobre a expressão "ó ai ólarilólela"

Num destes dias, enquanto escrevia coisas triviais como a minha dissertação sobre a prática pedagógica do teatro, ouvi, numa dessas aplicações digitais de música, uma canção cujo refrão começava com o mítico bordão "ó ai ólarilólela". Numa rápida pesquisa percebi que não há grandes explicações para este bordão, ele é isso mesmo: uma expressão popular repetida várias vezes. No entanto, esta expressão parece sintetizar todo o sentimen to nacional, todo o drama e entusiasmo de ser português. (Ainda não sei se maior que o Fado, o Vira, ou a Chula do Minho.) Se atendermos ao género musical e poemas em que esta expressão surge: género da música tradicional, quase sempre em músicas alegres que brincam com a uma postura caricaturada e conformista do povo português perante as adversidades vida: Senhora Maria, senhora Maria, o seu galo canta e o meu assobia, ólarilólela e o meu assobia. Eu quero, eu queria, passar uma noite contigo ó Maria, ólarilólela eu quero, eu quer

ao lusco fusco

não tenho dúvidas sorrio-te ao lusco fusco gravo-te na minha alma e penso       contrariando tudo o que outros poetas disseram sobre este morno estado do dia       como são belos estes fins de dia imbuído deste sentimento que me une a ti declaro-me sim      ao lusco fusco     no exato momento em que o dia cede passagem à noite e a lua ocupa o seu lugar cuidando de não deixar os amantes nas trevas da escuridão comprovo então que este morno quasi-dia que este morno quasi-noite que este morno lusco fusco é na verdade tão quente e luminoso como um Amor em fogo posto como a poderosa sarça ardente nuno malela 15.VIII.2019

corpo triste corpo inv-fernal

os dias sem ti são o vazio são tetos negros de fim do mundo e as noites     e as noites     ah e as noites feitas de luz cinzenta são um dia triste inv-fernal  são outros corpos que me tocam sim     eu permito     mas é o teu que desejo porém onde está ele     e o meu beijo nuno malela 15.III.2019

bonita memória

no princípio era o nada e o nada era tudo porque o nada habitava em mim porque do nada vim porque só o nada eu conhecia depois tu sorriste e do nada nasceu um mundo e do nada floresceu um brilho e do nada eu saí e o nada tornou-se tudo o dia da noite em que vivi nasceu de ti cresceu por ti clareou-se de ti como ontem      hoje o sol sorriu as nuvens fugiram o céu não quis chorar hoje      porque fazes anos ontem      porque me devolveste à vida e porque somos memória e porque fomos desejo e porque somos pureza e porque fomos gracejo   hoje sorrio para ti        fim da história nuno malela 13.III.2019

relicários de nós

espalho pedaços de ti sobre o tampo de uma mesa           fotografias           palavras escritas           bilhetes de cinema                faturas de jantares são meros devaneios que recupero em autoflagelação espalho pedaços de mim sobre o chão de mármore frio           os meros devaneios           a tortura           a carnificina           já não autoflagelação são grossas gotas lacrimejantes que deixo cair no chão espalho pedaços de nós sobre a laje fria            a estória que podia ter sido história           as memórias gravadas           o teu nome cravado em mim           a lápide do meu requiem são relicários de nós que invoco em profunda oração nuno malela 07.III.2019

anedotas e tu

algumas anedotas surgem como tu           chegam por um acaso           passam uma noite comigo           e vão-se embora sem mais nada dizer tu és como certas anedotas    porém     confesso     diferes-te delas           ficaste como uma memória           mas continuas a fazer-me sorrir nuno malela 06.III.2019

do amor de uma noite (Interrogações)

o que sou eu agora um amor de uma noite um pecado que grita como o açoite um amor perfeito porque antecipado feito acabado outro caminho errado (mais outro pecado) onde foi que me perdi o que foi que aconteceu nuno malela 4.III.2019 
porque me minto ou me calo leva-me o medo em segredo tudo o que tenho guardado tudo o que em mim é degredo nuno malela 4.III.2019

soneto sem mágoas

esquecendo que o gesto era fantasia rebentei de escolhas de engenhos e artes desenhei o gosto de tudo o que queria hoje pouco mais me resta que um sonho o esboço das peripécias de reis de lendas de gentes estórias de impérios     de geixas e samurais não agarro perdas não agarro danos sou uma tela branca por onde navego p'ra além dos oceanos de tudo aquilo que não nego nuno malela 1.III.2019

não me disseste nada

não me disseste amo-te não me disseste adoro-te não me disseste quero-te não me disseste desejo-te não me disseste gosto de ti na verdade    não me disseste nada e contudo fizeste-me sentir tudo o que não disseste pois os teus olhos disseram tudo em silêncio nuno malela  25.II.2019

in medias res

-  in medias res a nossa história não teve princípio nem fim -  in medias res começou a meio de si mesma -  in medias res não houve era uma vez nem viveram felizes para sempre -  in medias res na verdade         a nossa história nunca existiu é apenas uma estória -  in medias res nuno malela 14.II.2019

no olhar

havia nesse olhar  mais de tristeza que de ironia era um olhar profundo e desesperadamente triste que traduzia um desespero calado de certa maneira irremediável e definitivo pois já se havia transformado em hábito e numa estranha forma de viver nesse olhar estava oculta a face da raiva não evidenciada a loucura     a paixão desmedida o desejo     a distância entre dois corpos fosse a de um olhar profundo ou a de um beijo sincero nuno malela 2.II.2019

o muro entre a vida e a morte

como é frágil o muro entre a vida e a morte como e fácil galgá-lo basta um passo para o atravessar capacito-me que não é a chegada da morte que assusta mas sim a partida da vida     o desfecho para o qual nunca estamos preparados é ele quem nos destrói é ele quem nos põe impotentes incrédulos até como é sádico e perverso o muro entre a nossa vida e a nossa morte nuno malela 31.I.2019

anáfora depois da paixão

claro que não me és indiferente claro que ainda penso ti claro que quero estar contigo mas respeito e vou aprendendo a convivendo com o teu silencio e com a tua ausência claro que ainda tenho esperança nuno malela 19.I.2019

ao nosso amigo João

singela homenagem   a um professor e amigo que é e será sempre lembrado com muita saudade   o nosso pensamento não te abandona nunca porque tu não partiste porque as pessoas de quem gostamos nunca partem vivem eternamente no nosso coração as memórias e as experiências que contigo vivemos permanecem sempre são um feixe luminoso que brilha no nosso presente e nos mantém próximos a ti serás sempre o nosso caríssimo amigo e professor JOÃO nuno malela & david araújo 18.I.2019

era uma vez ou o fim da história

e agora           sim e agora o que é suposto eu fazer com o teu silêncio      com a tua ausência por mais que pense e medite não consigo perceber onde errei diz-me onde      quando e como te falhei diz-me em que te contristei para que eu me possa defender para que me seja dada a oportunidade de dizer o porquê espera    espera      ainda não terminei vem cá senta-te aqui comigo ainda há tanto para falar      tanto para revelar e descobrir ficou tanto por dizer espera      por favor      espera não vás já há sempre (in)certezas      o que seria da vida sem elas      não me dizes não deixes que o nosso era uma vez seja o fim da história   tentemos escrever algumas palavras mais algumas frases novas      ou reescrever outras mas caminhemos juntos           apenas mais um ou dois parágrafos      mas juntos ficaram tantos beijos por dar           lábios como pétalas vivas tantos abraços      rasgos de luz quente em n

pureza e desejo

claro que houve desejo e muito a tua respiração no meu rosto         pescoço     peito     carne     pele as tuas mãos a desenhar caminhos que a tua língua húmida e quente percorreu pelo meu corpo         pescoço     peito     carne     pele aproximando-se da minha boca sem palavras     apenas instinto apenas desejo apenas os gestos necessários para que os nossos corpos se unissem         bocas a respirar uma na outra         transpiração do nosso desejo animalesco claro que houve desejo e com certeza que houve pureza que dizer dos abraços quentes    dos beijos doces do toque suave das nossas mãos enlaçadas da nossa troca de olhares meigos era como se ao anoitecer todos desaparecessem do mundo apenas tu e eu éramos verdade num universo perfeito     só nosso     tão nosso e tão perfeito que não existe mais deste-me a chaves dos sonhos deste-me o caos     deste-me a harmonia hoje     ao deitar-me      penso que ess

Brevíssima reflexão sobre a confiança

Creio não ser novidade que a confiança une pessoas e propósitos. E se aliada a uma grande amizade, é capaz de conceber uma magnífica história. A confiança faz qualquer um ir mais além de si; enfrenta medos, angústias, desalentos…; desafia tempestades e tormentas; vence as mais terríveis avantesmas e aplana caminhos duradouros. Quando confiamos genuinamente em alguém, a verdade e a sinceridade imperam na relação. Nada nem ninguém quebra o vínculo da amizade. A não ser que. Exato, a não ser que. A não ser que, por algum motivo, aparentemente insignificante, mesmo que involuntário e irrefletido, um dos pares deixe que vis aprestos de outrem maculem a amizade e quebrem aquele elo tão inquebrável quanto vulnerável. Aí, o retorno é muito difícil. Quem estará disposto a percorrer os mesmos caminhos que levaram ao elo da confiança depois de traído? Porque a maior dificuldade não está em perdoar, mas em voltar a confiar sabendo que os laços são agora grilhões. Comparo – e não serei o ú