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A mostrar mensagens de agosto, 2014

voltar a viana

voltar a viana   ressuscitou tantas recordações os passeios matinais os mata-bichos no jardim   ou na galeria as corridas dos cães as festas do pai os convívios da mãe e das tias diz-se que não devemos voltar   segunda vez ao lugar onde fomos felizes um dia mas eu voltei a esta casa que conserva   em cada pedra   em cada canto e recanto uma recordação que quero preservar estranha motivação que me fez voltar ao fim de vinte anos saber que tudo reviveria   ter a estranha certeza que te voltaria a encontrar   que te deixaria entrar de novo no meu abrigo o teu corpo está encostado ao meu na mesma cama de ferro de há vinte anos como se nunca tivessem existido   vinte anos de incertezas queixumes e distâncias seguras um livro estranho e a custo dizes que o tens que ler eu dada a tua indiferença pego no livrinho de poesias que escrevi   quando me fazias falta e agravo mais o meu penar e a minha agonia não sei porque fui ao cruzeiro não sei porque ao v

sei que não sou o que idealizastes

sei   que não sou o que idealizaste   que não demonstro qualquer interesse nos mesmos assuntos que tu que te desiludo com as minhas escolhas e opiniões mas acredita que em nada que eu faça procuro desagradar-te apenas acredito     vivamente     que não consigo ser o que não sou   e que por isso não vale a pena tentar sê-lo somos tão parecidos   que são as nossas diferenças que mais se destacam   e ganham valor e dimensão em nada te quero desiludir   em nada te quero afrontar és e serás sempre o meu PAI   e por isso o melhor PAI que poderia ter   – estas palavras foram escritas num dia   em que pensei mais em ti do que em mim nuno malela 14.VIII.2014

a festa

a festa chegou ao fim terminaram os gourmets as provas de vinhos os conhaques e charutos o bridge   as eloquências sobre coisa nenhuma os petits noms das senhoras   os títulos dos senhores todos saíram   levam o som da festa e deixam a sensação de abandono a festa que terminou dá lugar agora ao cansaço aos silêncios de abandono da madeira a estalar – a solidão ficam os copos e os pratos sujos em cima da mesa   os restos da comida     os nacos do pão as manchas de vinho nas toalhas alvas de linho   as cascas e os caroços colados à louça das mesas às cadeiras e ao chão as garrafas vazias por metade   (algumas praticamente sem nada) o lixo da festa   o lixo dos intelectuais da festa o lixo da festa que alguém amanhã vai limpar apenas me sobra paciência   para juntar as sobras que ficam da festa   apanhar as pevides     caroços e cascas e por tudo em sacos pretos de lixo empilhar os pratos      os talhares     os copos as flûtes de champagne pôr tudo na

Réquiem para Madalena

« Requiem aeternam dona ei, Domine, et lux perpetua luceat ei. Requiescat in pace. Amen .»           A noite termina quando no céu parece despontar a luz de um novo dia. Madalena caminha por aquela velha e   sombria quelha sob um céu ainda escuro, trazendo a solidão como companhia. Vestiu a melhor fantasia para a ocasião e traz na sua bolsa um batom: a sua maior fortuna.            No silêncio da rua deserta ressoa ainda o eco do tacão do seu já deselegante e cansado andar. Nos seus olhos gaiatos o brilho inocente que fá-la sentir-se uma Cinderella ou uma rainha; que dizem não haver lugar mais doce que o banco de um carro ou uma pensão; que não há maior fortuna que o seu desbotado carmim feito de cera e óleo. E ela acredita…           Já no quarto, esconde os seus trajes num armário e toda a sua fantasia. Lava as mãos com água da torneira e a cara com as lágrimas da fonte mais pura: rompe a máscara. Através do espelho, num primeiro momento que ocorre num ato involuntário e d